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Igreja doméstica: uma reflexão sobre os lares católicos

A temática que envolve o espaço da casa como expressão viva da fé é praticamente inexplorada. No entanto, tendo a considerar como um assunto de extrema relevância para os dias atuais. Talvez porque eu seja arquiteto e por conta disso, tenha uma visão “mais treinada” para interpretar a influência do espaço no comportamento humano e vice e versa. Mas, o fato é que hoje vivemos um tempo de crise na fé católica. A casa já não é mais um elemento de expressão religiosa, de contato com a comunidade cristã, ela é carente de símbolos e ambientes que remetem ao sagrado, além de ser tomada de influências modernistas com apelo tecnológico. O lar não tem sido uma verdadeira “igreja doméstica” e como consequência disso temos um enfraquecimento da fé que abre portas para ideologias que querem a destruição da família cristã.

Durante uma Audiência Geral, no dia 13 de novembro de 2019, Papa Francisco pediu aos casais cristãos que convertessem as suas casas em “igreja doméstica”. Durante a catequese, ele se utilizou do exemplo de Áquila e Priscila que acolheram São Paulo Apóstolo em Corinto. O Santo Padre destacou como “a casa de Áquila e Priscila em Corinto abre as portas não apenas ao apóstolo, mas também aos irmãos e irmãs em Cristo. Paulo, de fato, pode falar da comunidade que se reúne em sua casa, que se torna uma ‘domus ecclesiae’, um lugar para a escuta da Palavra de Deus e a celebração da Eucaristia” [1]. Aos curiosos, que não se recordam do casal, basta abrir a sagrada escritura em Atos dos Apóstolos, capítulo 18. O filme “Paulo, Apóstolo de Cristo” também ilustra de maneira clara o como era a residência do casal. Mais adiante, irei comentar sobre a arquitetura das casas dos primeiros cristãos, no entanto, gostaria de me ater agora sobre o que a Igreja diz a respeito da família como “igreja doméstica”.

Acredito ser um senso comum – entre nós católicos – que a família, fundada sobre o matrimônio, comunidade de amor e de vida, entre um homem e uma mulher, como instituição natural, é considerada a célula primordial da sociedade. Desse modo, a Igreja acredita que na família se exerce o “sacerdócio batismal” de todos os seus membros, sendo a primeira escola de vida cristã em que se aprende a tenacidade e alegria no trabalho, o amor fraterno, o perdão generoso e o culto divino, pela oração e pelo oferecimento da própria vida [2]. O próprio Cristo quis nascer e crescer no seio da Sagrada Família de José e de Maria, exprimindo assim o caráter sagrado e profético das famílias na história da salvação.

“Nos nossos dias, num mundo muitas vezes estranho e até hostil à fé, as famílias crentes são de primordial importância, como focos de fé viva e irradiante. É por isso que o II Concílio do Vaticano chama à família, segundo uma antiga expressão, ‘Ecclesia domestica – Igreja doméstica’” [3]. A expressão é cunhada desta forma, pois a Igreja nada mais é do que a “família de Deus”. Assim como nas origens do cristianismo, em que a Igreja era formada por pequenos grupos que se convertiam “com toda a sua casa”, e muitas vezes como ilhas, imersos em um mundo de pagãos, hoje também somos chamados a sermos pequenos núcleos, que conforme a tradição, continuam propagando a fé por meio das gerações.

Ora, se a família católica é chamada a santidade e a evangelização, principalmente dos seus, por que os símbolos dessa fé tem gradativamente sumido dos lares católicos? Me permita aqui fazer uma breve conjectura baseada em uma simples frase: “aquilo que é mais sagrado também é o mais profanado”. O que eu quero dizer com isso? Simples, o demônio sabe que a família é de extrema importância no projeto de Deus, por isso vem trabalhando arduamente ao longo da história com um intenso processo de “dessensibilização”. Tal estratégia parece estar sendo bem-sucedida uma vez que o lugar mais importante das casas de grande parte dos cristãos tem se tornado a sala, com uma televisão no centro. Os crucifixos, imagens, quadros e símbolos sagrados foram trocados por aparelhos eletrônicos e tomadas, pois o centro da vida humana agora parece ser o próprio homem. Aliado a isso, ainda temos uma ação intensa de uma agenda marxista agindo nos meios culturais, uma ascendente adesão a ideologia gênero e ao ecologismo, que suprimem cada dia mais a vocação cristã.

Alguns afirmam que estamos em uma das piores crises de toda história da Igreja e, sendo assim, me parece razoável que tornemos novamente os nossos lares uma verdadeira habitação que floresça as novas “igrejas domésticas”. Cabe a nós, portanto, ressurgirmos com os elementos simbólicos, próprios de nossa fé, e não somente isso, mas também compreendermos o lar como um local de oração e evangelização. Desse modo, por que não buscar como referência a casa dos cristãos dos primeiros séculos que viviam também um ambiente hostil e de perseguição?

Como o cristianismo ainda não era uma religião oficial, os cristãos eram proibidos de celebrar sua fé e o culto divino publicamente. Sendo assim, os locais mais propícios para ocorrer tais celebrações eram as casas dos próprios cristãos, chamadas de “domus ecclesiae”, que significa “igreja doméstica”. Basicamente, esses lares tinham como objetivo de não somente ser um local de repouso e abrigo para as famílias, mas também de abarcar a função de um espaço litúrgico e de encontro da comunidade cristã. Gostaria de destacar um detalhe, antes de me aprofundar no tema, pois quero deixar claro que meu intuito ao mostrar a arquitetura das casas dos primeiros séculos da era cristã é evidenciar como as residências e as famílias têm um papel significativo na história da igreja e como esse modelo pode servir de inspiração para o nosso tempo e não simplesmente afirmar que devemos copiar de maneira cega essa arquitetura.

Reconstrução da parte térrea da “domus ecclesiae” de Dura-Europos, século III d.C.

O estudo da arqueologia dos primeiros períodos da e era cristã enfrenta grandes entraves uma vez que se encontram mais vestígios de materiais escritos do que propriamente elementos palpáveis como ruínas de edificações. Em 1931 houve a descoberta de uma casa bem preservada – que remonta ao século III d.C – na antiga cidade de Dura-Europos, na margem direita do Rio Eufrates, na atual Síria. Essa casa revelou a prova definitiva das reuniões cristãs domiciliares. Uma peculiaridade é que esse modelo, chamado “domus ecclesiae”, dividia a casa em duas partes: 1) na parte térrea da casa para as reuniões, em que se tinha o lugar de encontro (para as celebrações) e também o batistério, por conta da importância desse sacramento de iniciação da vida cristã para os recém-convertidos; 2) as acomodações privadas comuns a quaisquer residências (nos pavimentos superiores). [4]

Ainda assim, existe um contrassenso, em que alguns arqueólogos e historiadores defendem que esse modelo de “domus ecclesiae” encontrado em Dura-Europos é um modelo isolado, e que o encontro das comunidades primitivas se dava normalmente nas casas dos cristãos mais ricos. Tal posição defende de que não havia uma mudança do espaço arquitetônico da casa para abrigar essas novas funções de encontro e celebrações. Na verdade, isso pouco importa, pois o fato inegável é que a casa das famílias cristãs era um lugar de oração e que durante um tempo foi o principal local evangelização e vida comunitária, conforme podemos verificar em vários textos de Atos dos Apóstolos (At 16:15, 16:40, 18:7, 21:16, 28:30).

“Diariamente, todos frequentavam o Templo, partiam o pão pelas casas e, unidos, tomavam a refeição com alegria e simplicidade de coração. Louvavam a Deus e eram estimados por todo o povo. E, cada dia, o Senhor acrescentava ao seu número mais pessoas que seriam salvas” (At 2, 46s). Conforme a comunidade cristã ia crescendo, os locais de reunião e oração foram se adequando e alterando as características arquitetônicas até chegar ao modelo de Igreja que conhecemos hoje. Esse é um assunto extenso e muito específico, e não cabe discorrer aqui sobre essa evolução. Entretanto, me aproximando dos parágrafos finais desse artigo, gostaria de deixar uma pequena consideração.

Vimos que a casa e a família designada como “igreja doméstica” exerceram um papel fundamental na evangelização, servindo como um modelo de comunidade cristã, e com a graça do Espírito Santo espalharam a palavra de Nosso Senhor Jesus Cristo alcançando novos corações, mesmo em meio a tantas perseguições. O que percebo hoje é um esvaziamento da fé nos lares católicos, que, diga-se de passagem, não se diferenciam em nada das casas dos pagãos. Já não existem mais símbolos sagrados, não há oratórios, raramente (ou nunca) se realizam ali pequenos encontros comunidade cristã. Sendo assim, nota-se um esmorecimento da fé católica nas casas que vem aderindo rapidamente aos seus espaços novas tecnologias e modismos tornando-se ambientes propícios para a propagação de ideologias anticristãs que corroboram para o projeto de destruição da família, que se encontra em estágio avançado na civilização ocidental.

Infelizmente, no século XXI, vivemos em um quadro geral de apostasia e ataques a fé jamais visto na história. Perseguições à Igreja Católica, morte de bispos por regimes políticos, leigos sendo coagidos ou até mesmo mortos por conta de sua fé, a ditadura do politicamente correto, o cientificismo e até mesmo a “fumaça de Satanás” que adentrou na Igreja de Cristo, como bem colocado pelo Papa Paulo VI. Todos esses elementos colaboram para uma perda generalizada da fé. Nesse sentido, assim como nos primeiros séculos da era cristã, os lares hoje têm um papel fundamental como local resistência aos planos do maligno e ao mesmo tempo como foco de propagação da fé e perpetuação da tradição.

Para finalizar, gostaria de lhe convidar a uma reflexão. Como católicos, nosso fim último é alcançar a salvação e obter a vida eterna na amizade com Cristo. Portanto, Jesus deve ser o centro de nossa vida, como diz a sagrada escritura em Mateus 6, 33 “Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas serão dadas em acréscimo”. Como eu posso deixar Jesus ser o centro de minha vida e não configurar o meu lar (fisicamente) para também tê-lo como centro? Será apenas delírio meu ou perdemos todo o simbolismo presente na nossa fé? Qual o centro de nossas casas hoje? Uma sala com uma televisão no centro ou uma área de lazer! os oratórios são praticamente inexistentes e quando existem, são colocados apenas como um “elemento decorativo”. Cristo deve reinar em nossas casas, e o coração de um lar deve ser também o seu local de oração e de convívio com a comunidade cristã, como nos primeiros séculos. Isso tem enormes impactos na nossa vida de fé e de modo especial na formação do imaginário e na educação das crianças. Ademais, meu apelo é para que transformemos novamente nossas casas em verdadeiras “igrejas domésticas”.

[1] https://www.acidigital.com/noticias/papa-pede-aos-casais-cristaos-que-convertam-sua-casa-em-igreja-domestica-86795

[2] Catecismo da Igreja católica, parágrafo 1657.

[3] Catecismo da Igreja católica, parágrafo 1656. [4] BOWES, Kim. Early Christian archaeology: a state of the field. Religion Compass, v. 2, n. 4, p. 575-619, 2008

Bancário, pai e escritor.

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